1 de março de 2011

JEFTÉ — UM FILHO DA PUTA FRUSTRADO

“Gileade é uma vila dos que praticam o que é prejudicial; suas pegadas são sangue. ” — OSEIAS 6:8


Jefté chora, frustrado por
ter matado sua filha
NÃO SE ASSUSTE com a frase do título. Não se trata de um usual xingamento, tal como quando há, em nossos tempos, uma rixa entre duas pessoas e uma xinga a outra com esta expressão. Antes, relatar-se-á aqui sobre um personagem bíblico, filho literalmente de uma prostituta, mas que seus feitos acham-se escritos na Bíblia. Jeová, por intermédio de meu estudo pessoal da Bíblia, tem me revelado o elevado grau de frustração a que viveu este personagem. De quem se trata, de que ele é exemplo e baseado em que se pode afirmar que ele viveu uma vida de extrema frustração?

Jefté – um exemplo de fé?
     O homem em questão é Jefté, filho de Gileade com uma prostituta e ele fora por 6 anos um dos juizes de Israel. Seus maiores feitos heróicos e bravios foi o fato de que, durante este período, guerreou contra os filhos de Amom e com os efraimitas, vencendo-os – derramou-se muito sangue nestes dois conflitos. (Juizes 11:1-12:7) Conforme fora lembrado muito mais tarde pelo apóstolo Paulo, Jefté fez parte da “tão grande nuvem de testemunhas” de Jeová da era pré-cristã. (Hebreus 11:32, 33; 12:1) De modo que se pode deduzir que o homem é um exemplo de fé para nós, por ter “derrotado reinos”.

     Seguindo a linha de raciocínio do apóstolo, as atuais Testemunhas de Jeová também tem falado bem de Jefté. Por exemplo, foi feito uma matéria numa revista recentemente e, nela, se relembrou os 'atos de fé' tanto de Jefté quanto de sua filha única e desconhecida. A Revista em questão é A SENTINELA de 1º de fevereiro de 2011, nas páginas 25 e 26.

     O relato da revista mostra uma história totalmente estranha à relatada nas páginas das Escrituras sobre o que teria feito Jefté com sua filha. De acordo com a matéria, que é 'pesquisada com exatidão',* Jefté, que 'queria muito a ajuda divina para derrotar os amonitas, fez uma promessa a Jeová'. Que promessa foi essa? A revista informa que Jefté 'ofereceria a primeira pessoa que saísse de sua casa quando ele voltasse da batalha'. Ofereceria para que? Para 'servir pelo resto da vida no tabernáculo de Deus – o lugar onde o povo adorava naqueles dias'. O relato sensacionalista conclui por dizer que Jefté, cumprindo sua promessa, enviou sua filha “ao tabernáculo de Deus em Silo para servir ali pelo resto de sua vida”. Assim, Jefté é, para as atuais Testemunhas de Jeová, um exemplo de pai amoroso e piedoso e, sobretudo, um homem de fé. Mas será mesmo? Vamos conhecer a verdadeira história de Jefté?

*Leia o parágrafo 3 da página 9 do Anuário das Testemunhas de Jeová 2011; debaixo do subtítulo: “'PESQUISANDO TODAS AS COISAS COM EXATIDÃO'”


Jefté – um filho da puta frustrado
     Gileade era filho de Maquir e neto de Manassés. Gileade, embora um homem casado, ou mesmo desde antes disso, ia ao puteiro local. O resultado foi que uma das putas engravidou e teve um filho e este veio a ser chamado de Jefté. “Gileade veio a ser o pai de Jefté”, conta-nos o relato. Obviamente, Gileade o reconheceu e o levou para sua casa e a esposa de Gileade tornou-se a sua madrasta. (Juízes 11:1) Posteriormente, também, a esposa de Gileade deu à luz filhos a ele. Estes filhos, por serem filhos na família, ao crescerem, expulsaram Jefté. Disseram a ele: “Não deves ter herança na casa de nosso pai, por seres filho de [uma puta].” Jefté fugiu de seus irmãos e passou a ter rancores deles.

     Em Tobe, o local para onde Jefté fugiu, fez amizades com homens "ociosos" ou vagabundos e, juntos, “saíam”, muito provavelmente para as baladas da época. (Juízes 11:3) É possível que estes amigos o tenham influenciado a aumentar seus rancores contra seus irmãos.

     Passado algum tempo, o território de Gileade estava sendo ameaçado pelos amonitas. Estes estavam dispostos a guerrear por terras que, segundo eles entendiam, 'Israel haviam tomado' e que os Gileaditas viviam sobre elas. Daí, os “anciãos”, os próprios filhos de Gileade (os irmãos de Jefté), foram a Tobe e disseram a Jefté: “Vem deveras e serve como nosso comandante, e lutemos contra os filhos de Amom”. Mas por quê chamar a Jefté? Em que ele poderia fazer a diferença contra um exército? Acontece que Jefté tinha algo que seus irmãos não tinham. Jefté era um homem preparado para a guerra por ser um homem forte e de liderança. É provável que ele tivesse adquirido essas habilidades e porte físico por ter sido trabalhador braçal enquanto crescia na casa de seu pai Gileade.

     Ao ouvir o convite dos seus irmãos, Jefté lembrou a eles de quando eles o expulsaram, dizendo: “Não fostes vós os que me odiastes a ponto de me expulsar da casa de meu pai? E por que é que agora viestes a mim quando estais em aflição?” Jefté tinha razões de sobra para cobrar isso de seus irmãos. Afinal, ele tinha tanto direito quanto eles próprios na herança de seu pai Gileade. Embora relutante, Jefté acabou por aceitar o convite quando ouviu seus irmãos falarem em fazer dele “o cabeça de todos os habitantes de Gileade”. Essa ideia agradava bem a Jefté. Ele, desta forma, poria em ação um plano para vingar-se de seus irmãos. Após concluírem um pacto perante de Jeová, de o fazerem cabeça sobre Gileade, Jefté obteve permissão para retornar à sua casa original, em Mispá, de Gileade. — Juízes 11:4-11.

     Não se menciona se Jefté era casado. Mas ele tinha uma filha, uma única filha, e esta, também, fora com ele morar em Mispá de Gileade. Jefté agora não era mais um homem 'ocioso' e sim o comandante de um exército. Como tal, passou a trabalhar. Primeiramente ele tentou a diplomacia mas os inimigos amonitas não agiram de acordo. (Juízes 11:12-28) Daí, “veio o espírito de Jeová sobre Jefté, e ele passou a atravessar Gileade e Manassés, e a atravessar Mispé de Gileade, e de Mispé de Gileade passou adiante até os filhos de Amom”. (Versículo 29) A guerra tornara-se agora inevitável. Foi neste momento que Jefté, vendo uma forma “limpa” de vingar-se pelo menos de um de seus irmãos, fez o seguinte voto estranho a Jeová: “Se tu, sem falta, me entregares os filhos de Amom na mão, então terá de dar-se que aquele que sair, quem sair da porta da minha casa ao meu encontro, quando eu voltar em paz dos filhos de Amom, terá de tornar-se então de Jeová, e eu terei de oferecer a tal como oferta queimada”. — Juízes 11:30.

     Note que Jefté falou em 'queimar aquele'. Jefté já estava até vendo um de seus irmãos (ou todos eles) saindo ao seu encontro quando ele voltasse da batalha. Ele sabia que, segundo as crenças deles próprios, quando se vota a Jeová, tal voto tem de ser cumprido. (Leia Eclesiastes 5:4, 5) É bem provável que Jefté tivesse raciocinado consigo mesmo que 'não haveria escape para certo irmão dele'. Em hipótese alguma passara pela cabeça de Jefté que, em vez de ser “aquele” que lhe sairia ao encontro, pudesse ser “aquela” sua única filha. Jefté certamente não meditou corretamente sobre seu voto vingativo.

     Acabando a guerra, onde houve “uma matança muito grande”, (consegue imaginar quanto sangue foi derramado?) o relato prossegue: “Finalmente, Jefté chegou a Mispá, à sua casa”. Jefté estava ansioso de matar mais pessoas, desta vez não mais pela espada, mas queimados – em especial um de seus irmãos. Mas o que aconteceu? “Eis que lhe saía ao encontro sua filha, tocando pandeiro e dançando! Ora, ela era absolutamente filha única. Fora dela não tinha filho nem filha. . . . quando a avistou, [Jefté] começou a rasgar suas roupas e a dizer: 'Ai, minha filha! Fizeste deveras que eu me dobrasse, e tu te tornaste aquele a quem eu bania. E eu é que abri a minha boca a Jeová e não posso voltar atrás'.” — Juízes 11:34, 35.

     Que frustração! Não saiu nenhum de seus irmãos ao seu encontro para que Jefté se vingasse! Jefté, agora se dando conta da grande besteira que é a vingança – vingança essa que custaria a vida de sua única filha – rasgou suas roupas, demonstrando seu alto grau de tristeza e frustração. Seus planos foram frustrados (Provérbios 15:22). Jefté relatou o voto a todos, inclusive à sua filha. Esta, por sua vez, sabendo que um voto a Jeová não se pode deixar de cumprir, não foi rebelde e estava disposta a se deixar 'oferecer como oferta queimada'. Ela disse: “Meu pai, se abriste a tua boca a Jeová, faze comigo segundo tudo o que saiu da tua boca”. Que situação calamitosa se encontrava aquela pobre inocente! — Versículo 36.

     Após chorá por dois meses a moça veio a seu pai, Jefté, e este “cumpriu o seu voto que fizera”. A moça foi oferecida em fogo, de modo que morreu. O relato bíblico revela que ela chorou por dois meses, pois era virgem. O que significaria que nunca se casaria. As amigas dela choraram juntas com ela mas sabiam também que o voto teria de ser cumprido.

     Portanto, Jefté foi um homem que viveu uma vida de frustrações. Primeiro nasceu de uma prostituta. E, embora criado na casa de seu pai, Gileade, seus irmãos o odiavam por este ser apenas um filha da puta. Expulsaram-no e ele foi vagabundar com os ociosos de Tobe. Após ser convocado para ser um comandante sobre seus irmãos, bolou um plano maligno para vingar-se de seus irmãos e acabou matando sua única filha. Assim, podemos afirmar com pleno conhecimento bíblico, que Jefté viveu uma vida de completa frustração. Não foi um homem feliz. Não podemos dizer que ele tenha sido um 'exemplo de fé'. Evidentemente, o apóstolo Paulo, ao alistar ele entre a nuvem de testemunhas, focalizava sua fé por ele ter-se 'tornado valente na guerra'. Mas como nós hoje não somos de guerras, não precisamos imitar a sua 'fé'— Hebreus 11:32, 34.

Um novo Jefté é criado
     As Testemunhas de Jeová como organização, evidentemente por não conseguirem conciliar um Jefté de fé com um Jefté filho da puta, que matou sua própria filha e a queimou no fogo, o “remodelaram” completamente. Novamente, 'indo além do que se encontra escrito na Bíblia', elas inventaram um novo Jefté para que este viesse melhor se encaixar na descrição de um 'homem de fé', e 'enviado por Jeová', conforme o descreveram os livros de 1 Samuel 12:11 e Hebreus 11:32, 33. Como fazem isso? — 1 Coríntios 4:6

     Primeiramente: ensinam que a mãe de Jefté fora uma prostituta diferente. Dizem que tratava-se de uma prostituta bem semelhante à prostituta Raabe que, posteriormente esta se casou com Salmon. Então, ensinam, esta prostituta diferente “provavelmente” era na verdade uma “esposa secundária de Gileade”. Estudo Perspicaz das Escrituras (it-2 ilegítimo pág. 371). Assim, elimina-se os personagens reais apresentados na Bíblia: a puta e o filho da puta.

     Segundo: Diz-se que Jefté “ofereceu sacrifício a Deus no tabernáculo”. Cita-se o texto do qual Jefté faz um voto frustrante, Juízes 11:30, 31, e explicam: “Nada disso teria sido possível a um filho ilegítimo, pois a Lei declarava de modo específico: 'Nenhum filho ilegítimo pode entrar na congregação de Jeová. Mesmo até a décima geração não pode entrar ninguém seu na congregação de Jeová'.” (it-2 Jefté Era Filho Legítimo pág. 480) — Deuteronômio 23:2.

     Terceiro: os homens de Tobe, aqueles homens chamados de “ociosos”, que significa “indolentes, preguiçosos ou vagabundos”, também têm de ser remodelados. Agora eles são 'homens evidentemente desempregados, hostilizados pelos amonitas'. — (it-2 “Homens Ociosos” Juntaram-se a Jefté pág. 480).

Um novo Jefté
é inventado pelas
Testemunhas de Jeová
     Quarto: Jefté fizera um voto antes de um combate 'bem semelhante ao que Jacó fizera uns 600 anos antes'. — (it-2 O Voto de Jefté pág. 481).

     Quinto: combate os “críticos” que condenam Jefté por este ter oferecido sua filha como oferta queimada, dizendo que isso seria inconcebível tanto para Jeová aceitá a menina queimada quanto para Jefté seguir o costume das outras nações. Cita-se Deuteronômio 18:9, 10, que diz: “não deves aprender a fazer conforme as coisas detestáveis dessas nações. Não se deve achar em ti alguém que faça seu filho ou sua filha passar pelo fogo”. A menina foi 'levada ao santuário para ali viver, bem semelhante a Samuel e Sansão'. (it-2 Pensava Jefté num sacrifício humano, quando votou apresentar como oferta queimada o primeiro que saísse da sua casa? pág. 482).

     Sexto: por fim, uma vez que a menina não estava morta e sim no tabernáculo, em Silo, só assim se "explica" que ela “recebia visitas 'de ano em ano' de suas companheiras, para '“elogiá-la”'.” (Juízes 11:40) — (it-2 Pensava Jefté num sacrifício humano, quando votou apresentar como oferta queimada o primeiro que saísse da sua casa? Pág. 482).

Quais o fatos realmente?    
     Mas em hipótese alguma a Bíblia diz que (1) a mãe de Jefté tenha deixado de ser uma prostituta, que ela se casou com Gileade ou com outro homem qualquer. Em hipótese alguma (2) se menciona o tabernáculo de Silo ou outro qualquer no relato. Em hipótese alguma (3) menciona-se no relato que Jefté teria entrado num tabernáculo para ser rejeitado segundo a lei escrita em Deuteronômio 23:2. Em hipótese alguma (4) se menciona no relato que os homens ociosos eram homens desempregados e que eram hostilizados pelos amonitas. Em hipótese alguma (5) podemos assemelhar a oferta de Jefté com a de Jacó. Em hipótese alguma (6) o relato mostra que Jefté tencionava oferecer a filha dele. Ele ofereceria “aquele” e não “aquela”. Em hipótese alguma o relato mostra que (7) Jeová estava a par do voto de Jefté. Em hipótese alguma (8) o relato menciona-se ali que a menina tenha sido levada a um tabernáculo para viver lá ou mesmo para ser oferecida queimada ali; que tampouco sequer fora mencionado o tabernáculo onde ela supostamente serviu. Em hipótese alguma (9) o relato menciona as amigas da moça indo visitá-la e, por fim, em hipótese alguma se menciona mais a mocinha como viva.
   
     Os fatos mostram, portanto, que Jefté, desde seu nascimento, viveu uma vida de tristeza e de frustrações e sendo a maior de suas experiências frustrantes o fato de ter matado sua própria filha após tencionar vingança contra seus odiados irmãos. Ele, por viver uma vida de frustrações e como um bom gileadita, era um dos que 'praticavam o que é prejudicial' e que, como tal, 'suas pegadas eram sangue' — Oséias 6:8.